sábado, 6 de junho de 2009

SISTEMAS PROCESSUAIS *

Noções Gerais


Falar em sistemas processuais sem, antes, definir etimologicamente a palavra sistema, seria um erro de metodologia, sem contar a falta de compreensão do assunto que poderia acarretar.



Sistema, segundo o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda ferreira, é



1. Conjunto de elementos, materiais ou idéias, entre os quais se posswa encontrar ou definir alguma relação.

2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada: sistema penitenciário; sistema de refrigeração.

3. Reunião de elementos naturais da mesma espécie, que constituem um conjunto intimamente relacionado.... (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2a. ed., revista e ampliada, Nova Fronteira, p. 1.594).



Assim,sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto.

O Estado deve tornar efetiva a ordem normativa penal, assegurando a aplicação de suas regras e de seus preceitos básicos, e esta aplicação somente poderá ser feita através do processo, que deve se revestir, em princípio, de duas formas: a inquisitiva e a acusatória.

Em um Estado Democrático de direito, o sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. A contrario sensu, no Estado totalitário, em que a repressão é a mola mestra e há supressão dos direitos e garantia individuais, o sistema inquisitivo encontra sua guarida.




SISTIMA INQUISITIVO


O sistema inquisitivo surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações européias dos séculos XVI, XVII e XVIII.

O sistema inquisitivo surgiu após o acusatório privado, com sustento na afirmativa de que não se poderia deixar que a defesa social dependesse da boa vontade dos particulares, já que eram estes que iniciavam a persecução penal.

O cerne de tal sistema era a reivindicação que o Estado fazia para si do poder de reprimir a prática de delitos, não sendo mais admissível que tal repressão fosse encomendada ou delegada aos particulares.

O Estado-Juiz concentrava em suas mãos as funções de acusar e julgar, comprometendo, assim, sua imparcialidade. Porém, à época, foi a solução encontrada para retirar das mãos do particular as funções de acusar, já que este só o fazia quando queria, reinando, assim, certa impunidade, ou tornando a realização da justiça dispendiosa.

Inquisitivo é relativo ou que envolve inquisição, ou seja, antigo tribunal eclesiástico instituído com o fim de investigar e punir crimes contra a fé católica; Santo Ofício (grifo nosso - Aurélio, ob. cit. p. 950).

Portanto, o próprio órgão que investiga é o mesmo que pune. No sistema inquisitivo, não há separação de funções, pois o juiz inicia a ação, defende o réu e, ao mesmo tempo, julga-o.

Como bem acentua Eugênio Florián, se as três funções se concentram em poder de uma só pessoa e se atribuem a um mesmo órgão, que as acumula todas em suas mãos, o processo é inquisitivo (De Las Pruebas Penales, Tomo I, Editora Temis, reimpressão da 3a. edição, Bogotá: Colômbia, p. 6, '990).

No sistema inquisitivo, o juiz não forma seu convencimento diante das provas dos autos que lhes foram trazidas pelas partes, mas visa convencer as partes de sua íntima convicção, pois já emitiu, previamente, um juízo de valor ao iniciar a ação.

Assim, podemos apontar algumas caracterísiticas próprias do sistema inquisitivo, a dizer:


a) as três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só pessoa, iniciando o juiz, ex officio, a acusação, quebrando, assim, sua imparcialidade;

b) o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo;

c) não há contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto do processo e não sujeito de direitos, não se lhe conferindo nenhuma garantia;

d) o sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal e, consequentemente, a confissão é a rainda das provas.


Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, professor de Direito Processual Penal na UFPR, Doutor pela Universidade de La Sapienza, em Roma, a quem devotamos carinho e admiração, ensina-nos a caracteristica fundamental do sistema inquisitório:

"A característica fundamental do sistema inquisitório, em verdae, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a secretamente, sendo que 'a vantagem (aparente) de uma tal estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos fatos - de todos os factos penalmente relevantes, mesmo que não contidos na acusação - dado seu domínio único e onipotente do processo em qualquer das suas fases".

O trabalho do juiz, de fato, é delicado. Afastado do contraditório e sendo o senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente pela visão que tem (ou faz) do fato ("O Papel do Novo Juiz no Processo Penal", in Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 2004).

O sistema inquisitivo, assim, demonstra total incompatibilidade com as garantias constitucionais que devem existir dentro de um Estado Democrático de Direito e, portanto, eve ser banido das legislações modernas que visem assegurar ao cidadão as mínimas garantias de respeito à dignidade da pessoa humana.




SISTEMA ACUSATÓRIO


O sistema acusatório, antítese do inquisitivo, tem nítida separação de funções, ou seja, o juíz é órgão imparcial de aplicação da lei, que somente se manifesta quando devidamente provocado; o autor é quem faz a acusação (imputação penal + pedido), assumindo, segundo nossa posição, todo o ônus da acusação, e o réu exerce todos os direitos inerentes à sua personalidade, devendo defender-se utilizando todos os meios e recursos inerentes à sua defesa.

Assim, no sistema acusatório, cria-se um actum trium personarum, ou seja, o ato de três personagens: juiz, autor e réu.

No sistema acusatório, o juiz não mais inicia, ex officio, a persecução penal in iudicium. Há um órgão próprio, cirado pelo Estado, para propositura da ação. Na França, em fins do século XIV, surgiram os les procureurs du roi (os procuradores do rei), dando origem ao Ministério Público.

Assim, o titular da ação penal pública passou a ser o Ministério Público, afastando, por completo, o juiz da persecução penal.

Podemos apontar algumas características do sistema acusatório:

a) há separação entre as funções de acusar, julgar e defender, com três peresonagens distintos: autor, juiz e réu;

b) o processo é regido pelo princípio da publicidade dos atos processuais, admitindo, como exceção, o sigilo na prática de deteminados atos (no direito brasileiro vide art. 93, IX, da CF c/c art. 792, § 1°, c/c art. 481, ambos do CPP);

c) os princípios do contraditório e da ampla defesa informam todo o processo. O réu é sujeito de direitos, gozando de todas as garantias constitucionais que lhe são outorgadas;

d) o sistema de provas adotado é do livre convencimento, ou seja, a sentença deve ser motivada com base nas provas carreadas para os autos. O juiz está livre na sua apreciação, porém, não não se afastar do que consta no processo (art. 155 do CPP).

e) imparcialidade do órgão julgador, pois o juiz está distante do conflito de interesse de alta relevância social instaurado entre as partes, mantendo seu equilibrio, porém dirigindo o processo adotando as providências necessárias à instrução do feito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 130 do CPC).

Hodiernamente, no direito pátrio, vige o sistema acusatório (CF, art. 129, I), pois a função de acusar foi entregue, privativamente, a um órgão distinto: o Ministério Público, e, em casos excepcionais, ao particular. Não temos a figura do juiz instrutor, pois a fase preliminar e infomativa que temos antes da propositura da ação penal é a do inquérito policial e este é presidido pela autoridade policial. Durante o inquérito policial, o sigilo e a inquisitividade imperam, porém, uma vez instaurada a ação penal, o processo torna-se público, contraditório, e são asseguradas aos acusados todas as garantias constitucionais.



SISTEMA MISTO OU ACUSATÓRIO FORMAL


O sistema misto tem fortes influências do sistema acusatório privado de Roma e do posterior sistema inquisitivo desenvolvido a partir do Direito Canônico e da formação dos Estados nacionais sob o regime da monarquia absolutista.

Procurou-se com ele temperar a impunidade que estava reinando no sistema acusatório, em que nem sempre o cidadão levava ao conhecimento do Estado a prática da infração penal, fosse por desinteresse ou por falta de estrutura mínima e necessária para suportar as despesas inerentes àquela atividade; ou, quando levava, em alguns casos, fazia-o movido por um espírito de mera vingança.

Neste caso, continuava nas mãos do Estado a persecução penal, porém, feita na fase anterior á anção penal e levada a cabo pelo Estado-Juiz. As investigações criminais eram feitas pelo magistrado com sérios cmpromeimentos de sua imparcialidade, porém, a acusação passava a ser feita, agora, pelo Esado-Administração: o Ministério Público.

Tal sistema apresenta, da mesma forma que o acusatório e o inquisitivo, características próprias. São elas:

a) a fase preliminar de investigação é levada a cabo, em regra, por um magistrado que, com o auxílio da polícia de atividade judiciária, pratica todos os atos inerentes à formação de um juízo prévio que autorize a acusação. Em alguns países, esta fase é chamada de "juizado de instrução" (v.g. Espanha e França). Há nítida separação entre as funções de acusar e julgar, não havendo processo em acusação.

b) na fase preliminar, o procedimento é secreto, escrito e o autor do fato é mero objeto de investigação, não havendo contraditório nem ampla defesa, face a influência do procedimento inquisitivo.

c) a fase judicial é inaugurada com a acusção penal feita, em regra, pelo Ministério Público, onde haverá um debate oral, público e contraditório, estabelecendo plena igualdade de diritos entre a acusação e a defesa.

d) o acusado, na fase judicial, é sujeito de direitos e detentor de uma posição jurídica que lhe assegura o etado de inocência, devendo o órgão acusador demonstrar a sua culpa, através do devido processo legal, e destruir ese estado. O ônus é todo e exclusivo do Ministério Público;

e) o procedimento na fase judicial é contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, garantia a publicidade dos atos processuais e regido pelo princípio da concentração, em que todos os atos são praticados em audiência.



*Paulo Rangel, Direito Processual Penal, 16a. edição, Lumen&Juris, Rio de Janeiro, 2009, p. 47-53

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