quinta-feira, 11 de junho de 2009

INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL*

Aplicam-se ao processo penal as regras usuais de interpretação da lei.

O processo penal admite interpretação extensiva, bem como o uso da analogia e dos princípios gerais de direito (art. 3° do CPP).



Führer, ob. cit. p. 15

INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL*

A linguagem jurídica, aliás, como toda linguagem, se expressa por meio de um conjunto de signos que permitem falar abstratamente dos objetos sem que se esteja em presença deles.

Esse é, na verdade, um atributo próprio do homem. Sabe-se que apenas os seres humanos são capazes de estabelecer a comunicação por meio da linguagem falada ou escrita, represenando a realidade ou até mesmo substituindo-a por símbolos ou signos abstratos.

No caso do direito, os signos que designam a realidade são aqueles vocábulos que representam abstratamente os fatos, configurando-os juridicamente.

Para o jusfilósofo Hans Kelsen, essa representação do real por meio da lei escrita é feita pela norma jurídica,que se assemelha a uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação aos fatos concretos. Logo, a variedade de sentidos da norma impõe ao aplicador a tarefa de interpretá-la, optando por um ou por outro sentido possível dentro da sua moldura, num verdadeiro ato de escolha.

De modo que a aplicação da lei em geral supõe, evidentemente, o processo prévio de sua interpretação, ou seja, a exegese ou hermenêutica dos textos legais.

Etimologicamente, o termo hermenéutica significa ciência da interpretação e deriva de Hermes, o Deus que na mitologia grega interpretava a vontade dos outros deuses, estabelecendo a comunicação entre estes últimos, que estavam no Olimpo, e os homens que se encontravam na Terra.

O campo hermenêutico, portanto, se constitui dos mecanismos de interpretação semântica da lei, dos processos de sua aplicação, do estudo das fontes e dos esquemas de integração do direito em caso de lacunas ou contradições do ordenamento jurídico, bem como interpretação também dos fatos que serão subsumidos ao texto legal.

Trata-se, enfim, de um trabalho qualificado, em que o intérprete busca definir o sentido e o alcance da lei ao mesmo tempo em que precisa estabelecer também o sentido e o limite dos fatos concretos que serão enquadrados nas hipóteses legais.



*Antonio Alberto Machado, Teoria Geral do Processo Penal, Ed. Atlas, 2009, p. 227-8

INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL*

Alguns sistemas jurídicos caracterizam-se por constituírem-se predominantemente de normas consuetudinárias (costumeiras). Outros, pela adoção do juízo de eqüidade como critério principal de decisão dos casos jurídicos que se apresentam ao Poder Judiciário.

O sistema legal brasileiro, filiado à tradição européia continental, funda-se precipuamente em normas positivas por escrito.

Assim, a Constituição, as leis, decretos e outros dispositivos normativos são elaborados pelo Estado, prevendo preceitos genéricos e aplicáveis a um número indefinido de casos (todos aqueles que ocorrerem após o início da vigência do dispositivo).

Dessa forma, o ordenamento jurídico brasileiro encontra-se consubstanciado em um extenso conjunto de textos legais. Para aqueles que aplicam o direito, seja julgando, seja demandando perante os órgãos do Estado, portanto, torna-se imprescindível proceder à interpretação desses textos legais, de modo a deles extrair as normas jurídicas aplicáveis aos casos concretos. A atividade interpretativa, portanto, precede a aplicação legal.


A interpretação

Objeto da ciência da hermenêutica - consiste em extrair o conteúdo e o sentido de uma norma, de modo que possa ser aplicada ao caso concreto. Nessa atividade, o jurista "traz à compreensão o sentido de um texto que se lhe torna problemático" (Karl Larenz).

Contudo, ao contrário do que pode sugerir essa definição, a atividade interpretativa não é aplicável apenas àqueles casos em que haja textos legais de difícil compreensão.

Toda norma jurídica deve ser interpretada.

O objetivo da interpretação é a construção de um sentido (uma idéia, uma unidade dotada de sentido) a partir do texto interpretado, com o que o intérprete estará apto a compreendê-lo.

Se o texto é claro e de fácil compreensão, o trabalho interpretativo será de fato menos penoso, entretanto, ainda assim se fará presente. Portanto, não é tecnicamente correto sustentar o antigo brocardo in claris cessar interpretatio (na clareza cessa a interpretação), uma vez que sempre existe a atividade interpretativa para a aplicação jurídica.

Destarte, somente quando compreendido pelo intérprete o conteúdo da norma jurídica é que se poderá proceder à sua aplicação, que, por sua vez, realiza-se pelo confronto da norma aos fatos que se apresentam, para que se possa determinar quais efeitos jurídicos esses fatos produzirão.

Por fim, as regras refrentes à interpretação prestam-se, ainda, a resolver aquelas situações em que sobre um mesmo fato incidem duas ou mais normas juridicas de conteúdo conflitante. Trata-se das situações de conflito aparente entre normas jurídicas.




*Mougenot, ob. cit. p. 73-74

sábado, 6 de junho de 2009

PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL*

1 - PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (DEVIDO PROCESSO LEGAL)

Fundamento legal: art. 5°, LIV, da Constituição Federal ("ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal").

Mais tecnicamente, em sede penal, chamado de devido processo legal.

"Devido processo legal" é expressão que deriva do inglês due process of law, constituindo, basicamente, a garantia de que o conteúdo da jurisdicionalidade é a legalidade (nullus actum sine lege), ou seja, o rigor de obediência ao previamente estabelecido em lei.

De fato, a origem histórica do princípio é inglesa (art. 39 da Magna Carta, outorgada em 1215 por João Sem terra aos barões ingleses), muito embora a concepção moderna do que venha a ser o devido processo legal se deva, em grande medida, à construção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana.


2 - PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

Fundamento legal: art. 5°, LV, da Constituição Federal ("aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral sã assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes").

O contraditório, na já clássica definição de Canuto Mendes de Almeida, é a "ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los", pelo que representa uma garantia conferida às partes de que elas efetivamente participarão da formação da convicção do juiz.

Nesse sentido, como muitos dos princípios referidos nesse capítulo, está, em certa medida, contido no conjunto das garantias que constituem o princípio do devido processo legal formal.

O princípio do contraditório significa que cada ato praticado durante o processo seja resultante da participação ativa das partes. Origina-se no brocado audiatur et altera pars. A aplicação do princípio, assim, não requer meramente que cada ato seja comunicado e cientificado às partes.

Relevante é que o juiz, antes de proferir cada decisão, ouça as partes, dando-lhes igual oportunidade para que se manifestem, apresentando argumentos e contra-argumentos.

Destarte, o juiz, ao proferir a decisão, deve oferecer às partes oportunidade para que busquem, pela via da argumentação, ou juntando elementos de prova, se for o caso, influenciar a formação de sua convicção.

Da mesma forma, a publicação e comunicação às partes de cada decisão têm por finalidade submeter as decisões proferidas ao crivo das mesmas, que, via de regra, terão novamente oportunidade para manifestação, ainda que seja pela via recursal.

Além disso, também em respeito ao princípio da igualdade, cada oportunidade de manifestação concedida a uma das partes deve ser igualmente concedida à parte contrária. Por esse motivo, deve-se assegurar a ambas as partes iguais direitos de participar da produção da prova e de se manifestar sobre os documentos juntados e argumentos apresentados pelo ex adversu ou pelo juiz.

O respeito ao contraditório deve ser registrado pelo juiz. Com efeito, a motivação das decisões pelo julgador deve indicar os critérios adotados para que se d~e pela procedência ou improcedência dos argumentos trazidos pelas partes, já que constitui garantia (contraditório) de que os pedidos deduzidos pelas partes, bem como os argumentos trazidos par sustentá-los, ainda que não acolhidos, efetivamente influenciaram no resultado da decisão, legitimando assim o exercício do poder estatal.


3 - PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA


Fundamento legal: art. 5°, LVII, da CF ("aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes").

O princípio da ampla defesa consubstancia-se no direito das partes de oferecer argumentos em seu favor e de demonstrá-los, nos limites em que isso seja possível. Conecta-se, portanto, aos princípios da igualdade e do contraditório.

Não supõe o princípio da ampla defesa uma infinitude de produção defensiva a qualquer tempo, mas, ao contrário, que esta se produza pelos meios e elementos totais de alegações e provas no tempo processual oportunizado por lei.

A defesa pode ser exercida por meio de defesa técnica e também da autodefesa.

A defesa técnica é aquela exercida em nome do acusado por advogado habilitado, constituído ou nomeado, e garante a paridade de armas no processo diante da acusação, que, em regra, é exercida por um órgão do Ministério Público.

A defesa técnica é indispensável. Caso o réu não possa contratar um advogado, o juiz deverá nomear para sua defesa um advogado dativo ou, quando possível, determinar que assuma a defesa um defensor público. Sem isso, não poderá prosseguir o processo (arts. 261 a 264 do CPP).

A autodefesa é exercida diretamente pelo acusado. É livremente dispensável, e tem por finalidade assegurar ao réu o direito de influir diretamente na formação da convicção do juiz (direito de audiência) e o direito de se fazer presente nos atos processuais (direito de presença).

Assim, também, a necessidade de que o acusado seja interrogado presencialmente, conforme preceitua o art. 185 do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade.

Existente a defesa técnica, é direito das partes a produção de provas que demonstrem a ocorrência dos fatos alegados que tenham pertinência à causa. Assim, se o juiz da causa rejeita a produção de uma prova que objetivamente seja necessária para a apauração da ocorrência de determinado delito, configura-se o cerceamento ao exercício do direito à ampla defesa (abreviadamente referido como "cerceamento de defesa"),o que configura nulidade.

Há que ressaltar que, nesse caso, não importa o que configura nulidade. Há que ressaltar que, nesse caso, não importa se a prova tenha sido requerida pela defesa ou pela acusação. O direito de defesa, nesse aspecto, relaciona-se com o dever que as partes no processo penal têm perante a apuração da verdade, que deverá prevalecer sobre a vontade individual das partes.


4 - PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA, DA "PRESUNÇÃO" DE INOCÊNCIA OU PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE

Fundamento legal: art. 5°, LVII, da CF: ("ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória").

Esse princípio reconhece, assim, um estado transitório de não-culpabilidade, na medida em que referido status processual permanece enquanto não houver o trânsito em julgado de uma sentença condenatória.

O princípio do estado de inocência refere-se sempre aos fatos, já que implica que seja ônus da acusação demonstrar a ocorrência do delito (actori incumbit probatio), e demonstrar que o acusado é, efetivamente, autor do fato delituoso.

Portanto, não é princípio absoluto, alterando-se a "presunção" da inocência, uma vez provada a autoria do fato criminoso. Nos casos em que não for provada a existência do fato, não existir prova de ter concorrido para a prática da infração penal ou não existir prova suficiente segura par fundamenta o juízo condenatório (art. 386, II, V e VII do CPP), será o juiz obrigado a absolver o acusado, não se lhe podendo imputar a culpa por presunção. Nesse caso, porém, falamos da aplicação do princípio in dubio pro reo.

Também decorre desse princípio a excepcionalidade de qualquer modalidade de prisão processual. Com efeito, a prisão processual não constitui cumprimento de pena, ao contrário do que a denominação reservada a algumas modalidades de prisão processual possa erroneamente sugerir.

Seu fundamento é diverso. Ainda assim, a decretação da prisão sem prova cabal da culpa somente será exigível quando estiverem presentes elementos que justifiquem a necessidade da prisão. Sem esses elementos, que devem ser avaliados em cada caso concreto, a prisão se torna ilegal, podendo ser atacada pela via do habeas corpus.


5 - PRINCÍPIO DO "FAVOR REI" ("IN DUBIO PRO REO" OU "FAVOR LIBERTATIS")

Esse principio tem por fundamento a presunção de inocência. Em um Estado de Direito, deve-se privilegiar a liberdade em detrimento da pretensão punitiva. Somente a certeza da culpa surgida no espírito do juiz poderá fundamentar uma condenação (art. 386, VII, do CPP).

Havendo dúvida quanto à culpa do acusado ou quanto à ocorrência do fato criminosso, deve ele ser absolvido.

"In dubio pro reo" e "in dubio pro societate"

O princípio "in dubio pro reo" tem sua antítese teórica no princípio "indubio pro societate", que preceitua que, no caso de dúvida acerca da culpabilidade do acusado, decida-se em favor da sociedade.

Contudo, em nosso sistema, o princípio "in dubio pro societate" somente tem aplicação em específicas oportunidades: quando do oferecimento da inicial acusatória (denúncia ou queixa), porquanto não se cobra certeza definitiva quanto à autoria criminosa, somente indícios de autoria; e nos processos do Júri, quando do encerramento da primeira fase (judicium accusationis), no momento da decisão de pronúncia pelo Juiz (art. 413 do CPP). Contudo, qualquer que seja o tipo de procedimento, sempre que se tatar de decisão definitiva de mérito - sentença em sentido estrito - vigerá oprincípio "in dubio pro reo".


6 - PRINCÍPIO DA VERDADE REAL

Toda a atividade processual, em especial a produção da prova, deve conduzir ao descobrimento dos fatos conforme se passaram na realidade.

O conjunto instrutório deve refletir, no maior grau de fidelidade possível, os acontecimentos pertinentes ao fato investigado.

As assertivas são de especial relevo no direito processual penal. Isso porque o princípio da verdade real contrapõe-se ao princípio da verdade formal, vigente, ainda que hoje em dia mitigado, no âmbito do processo civil.

A distinção se justifica. No âmbito cível, a maioria das causas versa sobre interesses pratrimonias disponíveis, que em tese têm menor grau de relevãncia para a sociedade. Já no âmbito penal, tendo em vista a possibilidade concreta de aplicação de penas que restrinjam o direito fundamental da liberdade, bem como pelo elevado grau de interesse social com relação às condutas tuteladas no direito penal material, é muito mais relevante que a elucidação dos fatos que fundamentam as decisões seja feita de forma mais acurada possível. De forma excepcional, somente, aplica-se o princípio da verdade formal, como na hipótese de absolvição por insuficência de provas (art. 386, VII, CPP).

O dever de produção de provas não é apenas das partes, portanto. Havendo interesses maiores em discussão, as provas são produzidas em favor da sociedade. Para tanto, além das próprias partes, também o órgão julgador deverá diligenciar na busca de todos os elementos que permitam a reconstrução dos acontecimentos levados a Juízo.

Nesse sentido, o juiz, por expressa previsão legal, poderá determinar a produção de provas que repute relevantes (art. 156, I, do CPP).

Prevalece, via de regra, no processo penal, a liberdade dos meios probatórios, desde que não violem o ordenamento jurídico (art. 155, parágrafo único, do CPP). Não mais vigora, assim, o sistema das provas típicas, em que apenas aquelas provas expressamente previstas tinham valor perante o juízo.


7 - PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS

Fundamento legal: art. 5°, LVI, da Constituição Federal ("são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos").

O princípio constitui, em verdade, uma vedação a que o juízo adote, como elemento de convencimento no curso do processo penal, elementos de prova obtidos por meios considerados ilícitos.

O valor "Justiça" não é absoluto, mas relativo. Nesse sentido, não pode ser perseguido "à toux prix".

Assim, conquanto o processo penal tenha por finalidade a busca pela verdade real, esse valor encontra limites em outros valores tutelados pelo ordenamento jurídico, principalmente nos direitos e garantias fundamentais assegurados ao cidadão.

Provas obtidas por meios ilegítimos, portanto, não devem influir na formação do convencimento do juiz. A questão da licitude das provas será novamente abordada oportunamente.


8 - PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES OU DA PARIDADE PROCESSUAL

A igualdade processual é um desdobramento do princípio da isonomia ou da igualdade (art. 5°, caput, da CF), reconhecida como verdadeira medula do devido processo legal.

No âmbito do proceso penal, às partes devem ser asseguradas as mesmas oportunidades de alegação e de prova, cabendo-lhes iguais direitos, ônus, obrigações e faculdades.

O modelo adotado pelo sistema jurídico brasileiro para a solução dos conflitos de interesses pressupõe, portanto, a exigência de igualdade de tratamento processual entre aquele que se diz detentor da pretensão deduzida em juízo e aquele que resiste ao direito pretendido. Revela-se, assim, como cerne do processo penal o conflito existente entre dois interesses indisponíveis que reclamam o trato partidário: o direito de punir e o direito de liberdade.

Dessa forma, dando-se paridade de armas às partes na dialética processual, objetiva-se evitar uma situação de privilégioou supremacia de uma das partes, equilibrando-se o processo pelo respeito à igualdade, na medida em que as partes devem ser "munidas de forças similares".


9 - PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Fundamento legal: art. 5°, LX ("a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".), e 93m IX ("todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes"), da Constituição Federal e art. 792, primeira parte, do Código de Processo Penal: ("as audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juizos e tribunais...").


10 - PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

Fundamento legal: art. 155 do Código de Processo Penal - "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas".

No tempo das ordenações, que vigeram no Brasil, a importância de algumas provas era avaliada numericamente. A própria lei estabelecia, objetivamente, os valores que cada prova deveria assumir no julgamento, restringindo a liberdade do julgador na apreciação da mesma. A confissão, por exemplo, atribuía-se o maior valor, sendo então chamada e considerada a "rainda das provas".

Esse sistema, demasiado rígido, foi abolido. No sistma atual, o juiz tem liberdade de formação de sua convicção acerca dos elementos da prova, não podendo, contudo, fundamentar sua decisão apenas em provas colhidas na fase investigatória da persecução penal - na qual não vige o princípio do contraditório - excetuadas as provas cauelares (aquelas produzidas antes do momento oportuno, em virtude de situação de urgência, como, por exemplo, a oitiva antecipada de testemunhas, nas hipóteses do art. 225 do CPP), irrepetíveis (são as provas que não podem ser repetidas em juízo, como ocorre com muitas perícias realizadas no inquérito policial") e antecipadas (decorrem do poder geral de cautela do juiz, de ordenar, de ofício, a realização de provas consideradas urgentes e relevantes, antes mesmo da ação penal, se preenchidos os sub-requisitos do princípio da proporcionalidade - necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito).

O valor de cada prova produzida é atribuído pelo próprio julgador, no momento do julgamento, e essa valoração é qualitativa.


11 - PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DOS ATOS JUDICIAIS

Fundamento legal: art. 93, IX, da Constituição Federal e art. 381, III, do Código de Processo Penal.

Se por um lado o juiz é livre para formar seu convencimento acerca da prova, é imperativo que exponha, motivando as decisões que proferir, os elementos de prova que fundamentam suas decisões e as razões pelas quais esses elementos serão considerados determinantes.

A motivação inclui, ainda, a fundamentação legal da decisão, por referência aos dispositivos normativos que, confrontados aos elementos de prova, determinam a decisão proferida.


Conforme mencionado, a obrigatoriedade de que toda decisão seja motivada representa uma garantia contra arbitrariedades no exercício do poder estatal. Tal se dá como garantia política dos cidadãos, característica precípua do Estado Democrático, sintetizado como o "Estado que se justifica", na expressão de Brüggemann, consistindo, pois, em "fator de limitação do arbítrio do Estado".

Ao motivar, o juiz (Estado) presta conta às partes e à sociedade, demonstrando sua efetiva participação na formação da convicção contida na decisão proferida. A motivação, portanto, concretiza nos autos a observância ao princípio do contraditório.

É condição absoluta de validade dos autos judiciais, sendo, pois, pressuposto de sua eficácia, devendo ser deduzida em necessária relação com as questões fatíco-jurídicas ofertadas pela acusação e defesa, não se podendo, por isso, simplesmente repetir expressões ou termos legais, postos em relação, de forma abstrata, com os fatos dos autos.


12 – PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL

Fundamento legal: arts. 563 – “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa” – e 566 – “não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa” do código de Processo Penal e art. 65 da Lei n° 9.099/95 – “os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados...”.

O principio da economia processual consubstancia-se no aproveitamento dos atos judiciais praticados, ainda que tenham sido conduzidos de maneira diversa daquela prescrita em lei.

O princípio tem por finalidade evitar a repetição desnecessária de atos processuais. Se um ato determinado, embora sido conduzido de forma diversa daquela estabelecida na lei, foi eficaz no atingimento dos objetivos para os quais foi realizado, é racional que o trâmite do processo não seja prolongado, uma vez que não houve qualquer prejuízo às partes ou ao processo..

O princípio da economia processual é consagrado no brocardo francês pás de mullité sans frief, ou seja, não há nulidade sem prejuízo. O mandamento está consubstanciado no art. 563 do Código de Processo Penal.

Segundo o mesmo fundamento racional, tampouco serão repetidos aqueles atos cuja prática se tenha dado de maneira irregular, mas que não tenham influído na apuração dos fatos que constituam a lide ou na decisão da causa (art. 566 do Código de Processo Penal). Mais uma vez, evita-se a repetição de atos se a irregularidade na sua prática é irrelevante para o processo.

Na Lei 9.099/95, o princípio da economia processual vem formulado no art. 68, que determina seja privilegiada a consecução da finalidade do ato processual em detrimento da sua forma (expressando, de modo mais abstrato, o fundamento dos arts. 563 e 566 do Código de Processo Penal.






Edilson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4a. edição, Sariava, 2009, p. 38 e seguintes.

SISTEMAS PROCESSUAIS*

A doutrina identifica três sistemas distintos de processos, fazendo-o, principalmente e conforme a distribuição da titularidade das atividades de julgar, acusar e defender. São eles:


a) Sistema inquisitivo ou inquisitorial


É o processo em que se confundem as figuras do acusador e do julgador. Em verdade, não há acusador nem acusado, mas somente o juiz (o inquisidor), que investiga e julga, e o objeto de sua atividade (o inquirido).

É considerado primitivo, já que o acusado é privado do contraditório, prejudicando-lhe o exercício da defesa.

Aduz-se também, como características desse sistema, o fato de inexistir liberdade de acusação, uma vez que o "juiz" se converte ao mesmo tempo em acusador, assumindoambas as funções. Costuma vigorar no sistema inquisitório o modelo escrito, mediato, disperso e sigiloso de seus atos;


b) Sistema acusatório


Caracteriza-se principalmente pela separação entre as funções da acusação e do julgamento. O procedimento, assim, costuma ser realizado em contraditório, permitindo-se o exercício de uma defesa ampla, já que a figura do julgador é imparcial, igualmente distante, em tese, de ambas as partes.

As partes, em pé de igualdade (par conditio), têm garantido o dirieto à prova, cooperando, de modo efetivo, na busca da verdade real. A ação penal é de regra pública, e indispensável para a realização do processo. Costuma vigorar o princípio oral, imediato, concenrado e público dos seus atos.


c) Sistema misto

Inaugurado com Code d'Insruction Criminalle (Código de Processo Penal) francês, em 1808, constitui-se pela junção dos dois modelos anteriores, tornando-se, assim, eminentemente bifásico. Compõe-se de uma primeira fase, inquisitiva, de instrução ou investigação preliminar, sigilosa, escrita e não contraditória, e uma segunda fase, acusatória, informada pelos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.



*Edilson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Civil, 4a, edição, Saraiva, 2009, p. 28-29

SISTEMAS PROCESSUAIS *

Noções Gerais


Falar em sistemas processuais sem, antes, definir etimologicamente a palavra sistema, seria um erro de metodologia, sem contar a falta de compreensão do assunto que poderia acarretar.



Sistema, segundo o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda ferreira, é



1. Conjunto de elementos, materiais ou idéias, entre os quais se posswa encontrar ou definir alguma relação.

2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada: sistema penitenciário; sistema de refrigeração.

3. Reunião de elementos naturais da mesma espécie, que constituem um conjunto intimamente relacionado.... (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2a. ed., revista e ampliada, Nova Fronteira, p. 1.594).



Assim,sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto.

O Estado deve tornar efetiva a ordem normativa penal, assegurando a aplicação de suas regras e de seus preceitos básicos, e esta aplicação somente poderá ser feita através do processo, que deve se revestir, em princípio, de duas formas: a inquisitiva e a acusatória.

Em um Estado Democrático de direito, o sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. A contrario sensu, no Estado totalitário, em que a repressão é a mola mestra e há supressão dos direitos e garantia individuais, o sistema inquisitivo encontra sua guarida.




SISTIMA INQUISITIVO


O sistema inquisitivo surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações européias dos séculos XVI, XVII e XVIII.

O sistema inquisitivo surgiu após o acusatório privado, com sustento na afirmativa de que não se poderia deixar que a defesa social dependesse da boa vontade dos particulares, já que eram estes que iniciavam a persecução penal.

O cerne de tal sistema era a reivindicação que o Estado fazia para si do poder de reprimir a prática de delitos, não sendo mais admissível que tal repressão fosse encomendada ou delegada aos particulares.

O Estado-Juiz concentrava em suas mãos as funções de acusar e julgar, comprometendo, assim, sua imparcialidade. Porém, à época, foi a solução encontrada para retirar das mãos do particular as funções de acusar, já que este só o fazia quando queria, reinando, assim, certa impunidade, ou tornando a realização da justiça dispendiosa.

Inquisitivo é relativo ou que envolve inquisição, ou seja, antigo tribunal eclesiástico instituído com o fim de investigar e punir crimes contra a fé católica; Santo Ofício (grifo nosso - Aurélio, ob. cit. p. 950).

Portanto, o próprio órgão que investiga é o mesmo que pune. No sistema inquisitivo, não há separação de funções, pois o juiz inicia a ação, defende o réu e, ao mesmo tempo, julga-o.

Como bem acentua Eugênio Florián, se as três funções se concentram em poder de uma só pessoa e se atribuem a um mesmo órgão, que as acumula todas em suas mãos, o processo é inquisitivo (De Las Pruebas Penales, Tomo I, Editora Temis, reimpressão da 3a. edição, Bogotá: Colômbia, p. 6, '990).

No sistema inquisitivo, o juiz não forma seu convencimento diante das provas dos autos que lhes foram trazidas pelas partes, mas visa convencer as partes de sua íntima convicção, pois já emitiu, previamente, um juízo de valor ao iniciar a ação.

Assim, podemos apontar algumas caracterísiticas próprias do sistema inquisitivo, a dizer:


a) as três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só pessoa, iniciando o juiz, ex officio, a acusação, quebrando, assim, sua imparcialidade;

b) o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo;

c) não há contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto do processo e não sujeito de direitos, não se lhe conferindo nenhuma garantia;

d) o sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal e, consequentemente, a confissão é a rainda das provas.


Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, professor de Direito Processual Penal na UFPR, Doutor pela Universidade de La Sapienza, em Roma, a quem devotamos carinho e admiração, ensina-nos a caracteristica fundamental do sistema inquisitório:

"A característica fundamental do sistema inquisitório, em verdae, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a secretamente, sendo que 'a vantagem (aparente) de uma tal estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos fatos - de todos os factos penalmente relevantes, mesmo que não contidos na acusação - dado seu domínio único e onipotente do processo em qualquer das suas fases".

O trabalho do juiz, de fato, é delicado. Afastado do contraditório e sendo o senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente pela visão que tem (ou faz) do fato ("O Papel do Novo Juiz no Processo Penal", in Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 2004).

O sistema inquisitivo, assim, demonstra total incompatibilidade com as garantias constitucionais que devem existir dentro de um Estado Democrático de Direito e, portanto, eve ser banido das legislações modernas que visem assegurar ao cidadão as mínimas garantias de respeito à dignidade da pessoa humana.




SISTEMA ACUSATÓRIO


O sistema acusatório, antítese do inquisitivo, tem nítida separação de funções, ou seja, o juíz é órgão imparcial de aplicação da lei, que somente se manifesta quando devidamente provocado; o autor é quem faz a acusação (imputação penal + pedido), assumindo, segundo nossa posição, todo o ônus da acusação, e o réu exerce todos os direitos inerentes à sua personalidade, devendo defender-se utilizando todos os meios e recursos inerentes à sua defesa.

Assim, no sistema acusatório, cria-se um actum trium personarum, ou seja, o ato de três personagens: juiz, autor e réu.

No sistema acusatório, o juiz não mais inicia, ex officio, a persecução penal in iudicium. Há um órgão próprio, cirado pelo Estado, para propositura da ação. Na França, em fins do século XIV, surgiram os les procureurs du roi (os procuradores do rei), dando origem ao Ministério Público.

Assim, o titular da ação penal pública passou a ser o Ministério Público, afastando, por completo, o juiz da persecução penal.

Podemos apontar algumas características do sistema acusatório:

a) há separação entre as funções de acusar, julgar e defender, com três peresonagens distintos: autor, juiz e réu;

b) o processo é regido pelo princípio da publicidade dos atos processuais, admitindo, como exceção, o sigilo na prática de deteminados atos (no direito brasileiro vide art. 93, IX, da CF c/c art. 792, § 1°, c/c art. 481, ambos do CPP);

c) os princípios do contraditório e da ampla defesa informam todo o processo. O réu é sujeito de direitos, gozando de todas as garantias constitucionais que lhe são outorgadas;

d) o sistema de provas adotado é do livre convencimento, ou seja, a sentença deve ser motivada com base nas provas carreadas para os autos. O juiz está livre na sua apreciação, porém, não não se afastar do que consta no processo (art. 155 do CPP).

e) imparcialidade do órgão julgador, pois o juiz está distante do conflito de interesse de alta relevância social instaurado entre as partes, mantendo seu equilibrio, porém dirigindo o processo adotando as providências necessárias à instrução do feito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 130 do CPC).

Hodiernamente, no direito pátrio, vige o sistema acusatório (CF, art. 129, I), pois a função de acusar foi entregue, privativamente, a um órgão distinto: o Ministério Público, e, em casos excepcionais, ao particular. Não temos a figura do juiz instrutor, pois a fase preliminar e infomativa que temos antes da propositura da ação penal é a do inquérito policial e este é presidido pela autoridade policial. Durante o inquérito policial, o sigilo e a inquisitividade imperam, porém, uma vez instaurada a ação penal, o processo torna-se público, contraditório, e são asseguradas aos acusados todas as garantias constitucionais.



SISTEMA MISTO OU ACUSATÓRIO FORMAL


O sistema misto tem fortes influências do sistema acusatório privado de Roma e do posterior sistema inquisitivo desenvolvido a partir do Direito Canônico e da formação dos Estados nacionais sob o regime da monarquia absolutista.

Procurou-se com ele temperar a impunidade que estava reinando no sistema acusatório, em que nem sempre o cidadão levava ao conhecimento do Estado a prática da infração penal, fosse por desinteresse ou por falta de estrutura mínima e necessária para suportar as despesas inerentes àquela atividade; ou, quando levava, em alguns casos, fazia-o movido por um espírito de mera vingança.

Neste caso, continuava nas mãos do Estado a persecução penal, porém, feita na fase anterior á anção penal e levada a cabo pelo Estado-Juiz. As investigações criminais eram feitas pelo magistrado com sérios cmpromeimentos de sua imparcialidade, porém, a acusação passava a ser feita, agora, pelo Esado-Administração: o Ministério Público.

Tal sistema apresenta, da mesma forma que o acusatório e o inquisitivo, características próprias. São elas:

a) a fase preliminar de investigação é levada a cabo, em regra, por um magistrado que, com o auxílio da polícia de atividade judiciária, pratica todos os atos inerentes à formação de um juízo prévio que autorize a acusação. Em alguns países, esta fase é chamada de "juizado de instrução" (v.g. Espanha e França). Há nítida separação entre as funções de acusar e julgar, não havendo processo em acusação.

b) na fase preliminar, o procedimento é secreto, escrito e o autor do fato é mero objeto de investigação, não havendo contraditório nem ampla defesa, face a influência do procedimento inquisitivo.

c) a fase judicial é inaugurada com a acusção penal feita, em regra, pelo Ministério Público, onde haverá um debate oral, público e contraditório, estabelecendo plena igualdade de diritos entre a acusação e a defesa.

d) o acusado, na fase judicial, é sujeito de direitos e detentor de uma posição jurídica que lhe assegura o etado de inocência, devendo o órgão acusador demonstrar a sua culpa, através do devido processo legal, e destruir ese estado. O ônus é todo e exclusivo do Ministério Público;

e) o procedimento na fase judicial é contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, garantia a publicidade dos atos processuais e regido pelo princípio da concentração, em que todos os atos são praticados em audiência.



*Paulo Rangel, Direito Processual Penal, 16a. edição, Lumen&Juris, Rio de Janeiro, 2009, p. 47-53

TIPOS DE PROCESSO PENAL*

Acusatório


É contraditório, público, imparcial, assegura ampla defesa; há distribuição das funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos.

Como argutamente observa Gianpaolo Poggio Smanio, em seu Criminologia e juizado especial criminal (São Paulo, Atlas, 1997, p. 51 e 53), esse modelo processual não padede das mesmas críticas endereçadas aos juizados de instrução, no sentido de que o juiz, ao participar da colheita da prova preliminar, teria a sua parcialidade afetada.

É que, no sistema acusatório, a fase investigatória fica a cargo da Polícia Civil, sob controle externo do Ministério Público (CF, art. 129, VII; Lei Complementar n° 73/93; art. 103, XIII, "a" a "e"), a quem, ao final, caberá propor a ação penal u o arquivamento do caso.

A autoridade judiciária não atua como sujeito ativo da produção da prova, ficando a salvo de qualquer comprometimento psicológico prévio.

O sistema acusatório pressupõe as seguintes garantias constitucionais:

- da tutela jurisdicional (art. 5°, XXXV);

- do devido processo legal (art. 5°, LIV);

- da garantia do acesso à justiça (art. 5°, LXXIV)

- da garantia do juiz natural (art. 5°, XXXVII e LIII);

- do tratamento paritário das partes (art. 5°, caput e I);

- da ampla defesa (art. 5°, LV, LVI e LXII);

- da publicidade dos atos processuais e motiviação dos atos decisórios (art. 93, IX)

e

- da prsunção de inocência (art. 5°, LVII.


Convém mencionar que, com a nova reforma processual penal, passou também a ser possível ao juiz, de ofício, a faculdade de "ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida" (art. 156, I, com a redação determinada pela Lei n. 11.690/2008).



Insuisitivo

É sigiloso, sempre escrito, não é contraditório e reúnde na mesma pessoa as funções de acusar, defender e julgar. O réu é visto nesse sistema como mero objeto da persecução, motivo pelo qual práticas como a tortura eram frequentemente admitidas como meio para se obter a prova-mãe: a confissão.



Misto

Há uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e há uma instrução preparatória, e uma fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório.


*Ferando Capez, Curso de Processo Penal, 16a. edição, Saraiva, 2009, p. 40/1
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O SISTEMA ACUSATÓRIO*

Sobre esse tema, escreve Eugênio Pacelli de Oliveira, em seu Curso de Processo Penal, 11a edição, Lumen&Juris, 2009:

"De modo geral, a doutrina costuma separar o sistema processual inquisitório do modelo acusatório pela titularidade atribuída ao órgão da acusação:

Inquisitorial seria o sistema em que as funções de acusação e de julgamento estariam reunidas em uma só pessoa (ou órgão), enquanto o acusatório seria aquele em que tais papéis estariam reservados a pessoas (ou órgãos) distintos.

A par disso, outras características do modelo inquisitório, diante de sua inteira superação no tempo, ao menos em nosso ordenamento jurídico, não oferecem maior interesse, caso do processo verbal e em segredo, sem contraditório e sem direito de defesa, no qual o acusado era tratado como objeto do processo.

As principais características dos aludidos modelos processuais seriam as seguintes:

a) No sistema acusatório, além de se atribuir a órgãos diferentes as funções de acusação (e investigação) e de julgamento, o processo, rigorosamente falando, somente teria início com o oferecimento da acusação;

b) já no sistema inquisitório, como o juiz atua também na fase de investigação, o processo se iniciaria com a notitia criminis, seguindo-se a investigação, acusação e julgamento.

No século XIX, e mais precisamente no ano de 1808, com o surgimento do famoso Code d'instruction criminelle francês, outro modelo processual com características bem definidas se apresentada á prática judiciária.

Nesse sistema processual, a jurisdição também se iniciaria na fase de investigação, e sob a presidência de um magistrado - os juizados de instrução - tal como ocorre no sistema inquisitório. No entanto, a acusação criminal ficava a cargo de outro órgão (o Ministério Público) que não o juiz, característica já essencial do sistema acusatório. Exatamente por isso, denominou-se referido sistema de sistema misto, com traços essenciais dos modelos inquisitórios e acusatórios.

Obra indispensável sobre o tema, colhe-se em Mauro Fonseca ANDRADE (Sistemas processuais penais e seus princípios reitores. Curitiba: Juruá, 2008), rica e exaustiva pesquisa histórica acerca dos sistemas processuais penais, cujo trabalho, de largos méritos, presta-se também a desfazer não poucos equívocos e confusões conceituais sobre a matéria.

Sob tais distinções, o nosso processo é mesmo acusatório.

Entretanto, a questão não é tão simples. Há realmente algumas dificuldades na estruturação de um modelo efetivamente acusatório.

A mais importante delas se encontrava na antiga redação do art. 384, CPP, em que se previa a possibilidade de mutatio libelli (modificação da acusação)pelo próprio juiz, nas hipóteses em que igual ou inferior a sanção do tipo penal vislumbrado após a instrução - trecho confuso mudar para nas hipóteses em que a sanção fosse igual ou inferior àquela prevista na denúncia.

Lamentavelmente, nossos tribunais fizeram ouvidos moucos e olhares poucos sobre a medida, só recentemente objeto de modificação legislativa. Essa veio a lume no texto da Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, vigente desde o dia 20 de agosto do mesmo ano, pondo fim a esse descalabro, e permitindo apenas ao Ministério Público o aditamento a denúncia (ou queixa, subsidiária) ou a nova mutatio libelli do mesmo art. 384 do CPP.

Nada obstante, pequenos, mas importantes, reparos foram feitos ao longo desses anos, em relação à construção de um modelo prioritariamente acusatório de processo penal. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo e acertadamente, já teve oportunidade de decidir pela impossibilidade de o juiz poder requisitar de ofício novas diligências probatórias, quando o Ministério Público se manifestar pelo arquivamento do inquérito. A violação ao sistema acusatório, na hipótese, seria e era patente (HC n° 82.507/SE, Rel. Sepúlveda Pertence. Primeira Tura. DJ 19.12.2002, p. 92).

Também no campo da distribuição dos ônus da prova há uma ampla liberdade de iniciativa probatória conferida ao juiz, frequentemente legitimada pelo decantado princípio da verdade real. Ora, além do fato de não existir nenhuma verdade judicial que não seja uma verdade processual, tal princípio, na realidade, na extensão que se lhe dá, pode ser - e muitas vezes foi e ainda é - manipulado para justificar a substituição do Ministério Público pelo juiz, no que se refere ao ônus probatório que se reserva àquele.

Nesse ponto, pensamos que somente uma leitura constitucional do processo penal poderá afastar ou diminuir tais inconvenientes, com a afirmação do princípio do juiz natural e de sua indispensável imparcialidade.

Com efeito, a igualdade das partes somente será alcançada quando não se permitir mais ao juiz uma atuação substitutiva da função ministerial, não só no que respeita ao oferecimento da acusação, mas também no que se refere ao ônus processual de demonstrar a veracidade das imputações feitas ao acusado.

A iniciativa probatória do juiz deve limitar-se, então, ao esclarecimento de questões ou pontos duvidosos sobre o material já trazido pelas partes, nos termos da nova redação do art. 156, II, do CPP, trazida pela Lei 11.690/2008.

Obviamente não estamos sustentando o aprisionamento do juiz na investigação dos fatos, o que, à evidência, seria completo - rematado é rebuscado retrocesso. Mas vedar a atuação judicial em substituição ao Ministério Público não é oura coisa senão afirmar um modelo acusatório igualitário, ou tendente à realização do efetivo equilíbrio de forças na relação processual penal.

Do mesmo modo, não se pode deixar de criticar e, mais que isso, de rejeitar validade à novidade trazida com a Lei 11.690/08, que, alterando o disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes. Ora, ão cabe ao juiz tutelar a qualidade da investigação, sobretudo porque sobre ela, ressalvadas determinadas provas urgentes, não se exercerá jurisdição.

O conhecimento judicial acerca do material probatório deve ser reservado à fase de prolação da sentença, quando se estará no exercício de função tipicamente jurisdicional. Antes, a coleta de material probatório, ou de convencimento, deve interessar àquele responsável pelo ajuizamento ou não da ação penal, jamais àquele que a julgará. Violação patente - e recente - do sistema acusatório.

Isso não impedirá, por certo - daí não se aceitar também o aprisionamento ou a limitação indevida da função jurisdicional - que o Juiz Criminal investigue, quanto for necessário e possível, eventuais provas da inocência do acusado.

Diferença de tratamento? Sem dúvida, mas plenamente justificada: não se pode, sob quaisquer fundamentos, vincular a decisão judicial à qualidade de atuação das partes (acusação e defesa), particularmente quando se tratar - e quando puder ser antevista - a possibilidade de produção de prova em favor do réu, mesmo não requerida ou vislumbrada pelo defensor.

Nessa ordem de idéias, o interrogatório do réu não poderia deixar de ser também redimensionado, como o foi, na Lei n. 10.792/03, para se constituir, efetivamente, em exclusivo meio de defesa, e não de prova, reservando-se ao acusado o juízo de conveniência e oportunidade quanto à sua participação ou não no referido ato processual.

De seu silêncio e de seu não-comparecimento não poderão advir, obviamente, quaisquer prejuízos, exatamente por força da norma constitucional (art. 5°, LXIII, CF) e, agora (Lei n. 10.792/03, que alterou o disposto no art. 186, CPP e, implicitamente, revogou o art. 198, CPP).

Não há, pois, como aderir à recente decisão do E. Tribunal Regional Federal da 1a. Região, no julgamento do HC 2008.215770/MG, no sentido de que a ausência do réu na audiência de interrogatório - antes, é claro, da Lei 11.719/08 - ensejaria, não só a quebra de fiança ou a revogação da liberdade provisória, por não comparecimento a ato do processo, como também a decretação da prisão preventiva.

Com a devida vênia, se o interrogatorio é reconhecidamente meio de defesa, e, mais, se todo o acusado tem o direito ao silêncio, a imposição de quaisquer sanções ao exercidio do aludido direito, e incompatível com a dimensão constitucional da citada garantia.

A aplicação do princípio do dirito ao silêncio é ainda mais relevante, como se verá, nos procedimentos do Tribunal do Júri, em que vigora a regra da íntima convicção, pormeio da qual os jurados não tem o dever de motivar a sua decisão.

Ali, deve-se permitir, como estratégia da defesa, o não-comparecimento à sessão de julgamento, independentemente de se tratar de crime inafiançáve, como era previsto na antiga redação do art. 451, § 1°, CPP. No particular, aplausos à Lei 11.689/08, que deu nova redação ao art. 474 do CPP, permitindo ao acusado submetido ao Tribunal do Juri o não comparecimento aplicando-se lhe as mesmas disposições relativas aos procedimentos em geral (do interrogatório)".

MODALIDADES DE PROCESSO PENAL*

Ao longo de sua caminhada histórica, até firmarem-se os direitos e garantias individuais, dinamitando-se as estruturas do mundo antigo com a Revolução Francesa, o processo penal apresenta três desdobramentos:

Processo acusatório - no qual a jurisdição é entregue ao Magistrado, representando o Estado; a iniciativa da ação cabe a outra pessoa, e não ao juiz; primeiramente ao ofendido; dado o impulso inicial, estabelece-se o contraditório até o julgamento final, devendo sempre serem ouvidas todas as partes interessadas no desfecho.


Processo inquisitório - no qual a figura principal é o juiz, que desempenha ao mesmo tempo a função de acusador. É ele, em razão do seu cargo, quem determina a instauração do processo, a prisão do acusado, faz a seleção de provas, dita a sentença e executa-a. Ouve o acusado se quiser e inquire testemunhas e providencia perícias se não se considerar convencido e se achar conveniente. Era o processo da inquisição, que corria sob segredo absoluto.


Processo misto - nesse modelo temos uma parte - o inquérito policial - que se assemelha ao processo inquisitório, pela liberdade ampla concedida à autoridade policial para a apuração do crime. E temos a parte judicial propriamente dita, na qual a iniciativa da ação só excepcionalmente cabe ao juiz.

No processo misto entrelaçam-se as preocupações de investigação e apuração do crime, dando-se ao mesmo tempo flexibilidade ao julgador para procurar a realização da justiça a partir de um ponto de vista valorativo dos elementos que lhe são submetidos, permitindo-lhe acomodar a norma legal e até mesmo a aplicação da pena, analisando as múltiplas e variadas circunstâncias que fazem de cada processo um caso diferente.

*Este é o entendimento de Antonio José Miguel Feu Rosa, em sua obra Processo Penal, da editora Consulex, 2a. edição, 2006, p. 38-9.

OBJETIVOS A QUE SE DESTINA O PROCESSO PENAL

1 - É através do processo penal que o Estado condena o acusado ao cumprimento da pena. A pena se destina aos réus responsáveis, ou seja, dotados de imputabilidade penal.

2 - Destina-se, também, à aplicação de medidas de segurança aos que cometem crimes, mas que não possuem, ou não possuíam, no momento do ato, pleno domínio da capacidade de entender e de querer. Toxicômanos, psicopatas, ébrios, esquizofrênicos, enfim, pessoas dominadas por pertubação mental permanente ou transitória, mas dotadas de periculosidade social, são submetidas a internamento e tratamento, por decisão judicial, após a devida apuração no processo penal.

3 - Cria obrigação, pois a sentença penal condenatória transitada em julgado constitui título executivo judicial (CPC, art. 584, II). É uma decorrência da chamada "culpa aquiliana!", extracontratual, pela qual o responsável fica obrigado à reparação do dano oriundo do ato ilícito (CC, art. 159).

4 - Apura os fatos, com repercussão na esfera civil, conforme estabelece o art. 1.525 do Código Civil: A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato ou quem seja seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime.



O processo penal é o instrumento adotado pelo Estado para a aplicação do direito substantivo.

Exemplificando: o Código Penal determina quais são os tipos penais (crimes) e respectivas penas (sanção). Não é pelo simples fato de o agente incorrer na conduta proibida, estando capitulado num determinado artigo do Código Penal, que estará sujeito a uma pena. Antes ele deverá responder a um processo penal, cumpridas e obedecidas todas as formalidades estabelecidas no Código de Processo Penal, até sentença final.

Mesmo que - suponhamos - o julgador seja testemunha ocular, havendo presenciado a execução do crime, não existindo dúvida de espécie alguma, não poderá haver condenação sem o processo penal.

Esta é a razão por que acentua Calamandrei que o direito processual "não é um fim em si mesmo, mas serve como meio para fazer observar-se o direito substantivo".

Difere do processo civil porque não admite transigências nem recuos. O réu não pode aceitar a pena e "fazer um acordo" para que se extinga a ação penal (exceto nos crimes de menor potencial ofensivo - Lei 9.099/95).

Nenhuma pena, nem medida de segurança, pode ser decretada, nem aplicada sem o devido processo legal.

O processo penal, sem perder sua característica essencial, que é a de integrar o conjunto de forças sociais para a luta contra o crime, veio dar grandeza e dignidade a esse combate, respeitando, sobretudo, os direitos e garantias do cidadão.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

JURISDIÇÃO CIVIL E PENAL*

Em sentido amplo, jurisdição é o poder de conhecer e decidir com autoridade dos negócios e contendas, que surgem dos diversos círculos de relação da vida social, falando-se assim em jurisdição policial, jurisdição administrativa, jurisdição militar, jurisdição eclesiástica, etc.

Em sentido restrito, porém, é o poder das autoridades judiciárias regularmente investidas no cargo de dizer o direito no caso concreto. Na vida em sociedade, diante das múltiplas relações do homem, surgem conflitos de interesses que, na maioria das vezes, são resolvidos pelas próprias partes.

Havendo, porém, uma resistência de uma das partes á pretensão da outra, vedada que está a autotutela, surge a necessidade de que o Estado, através do processo, resolva este conflito de interesses opostos trazido à sua apreciação, dando a cada um o que é seu e reintegrando a ordem e a paz no grupo. De tal importante tarefa se desincumbe o Estado através da jurisdição, poder-dever, reflexo da sua soberania, através da qual, substituindo-se á atividade das partes, coativamente age emprol da ordem ou segurança jurídica.

Os juízes, pelo simples fato de serem juizes, têm jurisdição, o poder de julgar, o poder de dizer o direito. Etimologicamente, a palavra jurisdição, formada de jus, juris (direito) e de dictio, dictionis (ação de dizer, pronúncia, expressão), traduzindo, assim, a idéia de ação de dizer o direito.

Ontologicamente, a jurisdição é una, uma só, pois tem a finalidade de aplicação do direito objetivo público ou privado. Entretanto, está sempre conexa a uma pretensão. Assim, se vai provocar a aplicação de norma de Direito Penal, ou de Direito Processual Penal, a jurisdição é penal; se o objetivo é o de aplicar norma jurídica extrapenal, a jurisdição é civil. Ambas as funções atribuidas a órgãos do Poder Judiciário, apresentando diversidade unicamente ratione materiae, ou seja, entre caias civis e causas penais.

Se considerarmos que, na relação processual, acha-se de um lado o titular da persecutio criminis, e, de outro, o acusado, ameaçado em sua liberdade, havendo, pois, um conflito que será dirimido pelo juízo, podemos dizer que a jurisdição penal é o poder de dirimir o conflito entre a pretensão punitiva e os direitos concernentes à liberdade do indivíduo.

Mas, existem assuntos que, por sua natureza, caberiam à jurisdição civil,mas, por força de conexão com a matéria penal, são dirimidos por esta. Na legislação brasileira atribui-se ao juizo penal, por exemplo, o conhecimento e julgamento de medidas cautelares como o sequestro e a hipoteca legal, além da decisão sobre a restituição de coisas apreendidas que não envolva questões de alta indagação.

De modo geral, toda a norma penal só se aplica jurisdicionalmente, isto é, através de processo. Todavia, em se tatando de norma não incriminadora e que regule relações disponíveis, pode ser ela aplicada extraprocessualmente, como, por exemplo, na renúncia do direito de queixa por documento particular, fora do processo. No cível há o chamado juizo arbitral, exercido por órgão não pertencente ao Poder Judiciário.



*Julio Fabrini Mirabett, Processo Penal, 18a. edição, ed. Atlas, 2008, p.151-2

NECESSIDADE DE CONTROLE DA SOCIEDADE*

A partir do momento em que o homem passou a conviver em sociedade, surgiu a necessidade de se estabelecer uma forma de controle, um sistema de coordenação e composição dos mais variados e antagônicos interesses que exsurgem da vida em comunidade, objetivando a solução dos conflitos desses interesses, que lhe são próprios, bem como a coordenação de todos os instrumentos disponíveis para a realização dos ideais coletivos e dos valores que persegue.

Sem tal controle não se concebe a convivência social, pois cada um dos integrantes da coletividade faria o que bem quisesse, invadindo e violando a esfera da liberdade do outro. Seria o caos.

Por essa razão, não existe sociedade sem direito (ubi societas ibi jus), desempenhando este função ordenadora das relações sociais (controle social). O direito que aqui se trata é o direito material, cujo objeto é a regulamentação e harmonização das faculdades naturais do ser humano, em prol da convivência social.

Ao direito cabe solucionar os inevitáveis conflitos de interesses que surgirão na realização da vida em sociedade.




Fernando Capez, Curso de Processo Penal, 16a. edição, Saraiva, 2009, p. 5

JURISDIÇÃO

Jurisdição deriva do latim jurisdictio. Tratuzindo literalmente, a jurisdictio é a dicção (dictio, o ato de dizer) do que é o direito (juris). Exercer a jurisdição é, portanto, dizer qual é e como é o direito; em outras palavras, administrar justiça.

O exercício desse ato, entretanto, requer uma entidade investida de poder, para que se garanta a irradiação de seus efeitos. Além disso, de reduzida utilidade seria - diante da necessidade de solucionar conflitos - declarar o direito sem que fosse também possível impor a decisão aos interessados, ainda que contra a sua vontade.

O termo "jurisdição", assume, assim, na moderna doutrina, significações diversas. Em síntese, três diferentes acepções para o termo:

a) a jurisdição como poder;
b) a jurisdição como atividade e
c) a jurisdição como função.



Edilson Mougenot Bonfim, Curso de Direito Penal, 4a. edição, 2009, Saraiva, p.15

O PROCESSO PENAL E O DIREITO DE PUNIR*

O Estado, única entidade dotada de poder soberano, é o titular exclusivo do direito de punir (para alguns, poder-dever de punir).

Mesmo no caso da ação penal exclusivamente privada, o Estado somente delega ao ofendido a legitimidade para dar início ao processo, isto é, confere-lhe o jus persequendi in judicio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi.

Esse direito de punir (ou poder-dever de punir), titularizado pelo Estado, é genérico e impessoal porque não se dirige especificamente contra esta ou aquela pessoa, mas destina-se à coletividade como um todo. Seria, aliás, de todo inconstitucional a criação de uma regra, unicamente, para autorizar a punição de determinada pessoa.

Trata-se, portanto, de um poder abstrato de punir qualquer um que venha a praticar fato definido como infração penal.

No momento em que é cometida uma infração, esse poder, até então genérico, concretiza-se, transformando-se em uma pretensão individualizada, dirigida especificamente contra o transgressor. O Estado, que tinha um poder abstrato, genérico e impessoal, passa a ter uma pretensão concreta de punir determinada pessoa.

Surge, então, um conflito de interesses, no qual o Estado tem a pretensão de punir o infrator, enquanto este, por imperativo constitucional, oferecerá resistência a essa pretensão, exercitando suas defesas técnica e pessoal. Esse conflito caracteriza a lide penal, que será solucionada por meio da atuação jurisdicional.

Tal ação é a tarefa por que o Estado, substituindo as partes em litígio, através de seus órgãos jurisdicionais, põe fim ao conflito de interesses, declarando a vontade do ordenamento jurídico ao caso concreto. Assim, o Estado-juiz, no caso da lide penal, deverá dizer se o dirieto de punir procede ou não,e, no primeiro caso, em que intensidade pode ser satisfeito.

É imprescindível a prestação jurisdicional para a solução do conflito de interesses na órbita penal, não se admitindo a aplicação de pena por meio da via administrativa. Até mesmo no caso das infrações penais de menor potencial ofensivo, em que se admite a transação penal (jurisdição consensual), há necessidade da homologação em juízo.

Trata-se, pois, de jurisdiçãonecessária, já que o ordenamento jurídico não confete aos titulares dos interesses em conflito a possibilidade, outorgada pelo direito privado, de aplicar espontaneamente o direito material na solução das controvérsias oriundas das relações da vida.

Nesse ponto entra o processo penal. A jurisdição só pode atuar e resolver o conflito por meio do processo, que funciona, assim, como garantia de sua legítima atuação, isto é, como instrumento imprescindível ao seu exercício. Sem o processo, não haveria como o Estado satisfazer sua pretensão de punir, nem como o Estado-Jurisdição aplicá-la ou negá-la.



Fernando Capez, Curso de Processo Civil, 16a. edição, ed. Saraiva, 2009, p. 1-2

CARACTERÍSTICAS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL*

Então, de modo mais explícito, aponta-se no CPP as seguintes e mais relevantes características:

a) o acusado é tratado como potencial e virtual culpado, sobretudo quando existir prisão em flagrante,para a qual, antes da década de 1970, somente era cabível liberdade provisória para crimes afiançáveis, ou quando presente presunção de inocência, consubstanciada na possível e antevista existência de causas de justificação (estado de necessidade, legítima defesa etc.) na conduta do agente (art. 310, caput);

b) na balança entre a tutela de segurança pública e a tutela de liberdade individual, prevalece a preocupação quase exclusiva com a primeira, com o estabelecimento de uma fase investigatória agressivamente inquisitorial, cujo resultado foi uma consequente exarcebação dos poderes dos agentes policiais.

c) a busca da verdade, sinalizada como a da verdade real, legitimou diversas práticas autoritárias e abusivas por parte dos poderes públicos. A ampliação ilimitada da liberdade de iniciativa probatória do juiz, justificada como necessária e indispensável à busca da verdade real, descaracterizou o perfil acusatório que se quis conferir à atividade jurisdicional. Essa parece ser a razão pela qual Jacinto Nelson Miranda Coutinho, ilustre processualista, Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, insiste em conceituar o nosso modelo processual como de natureza preferencialmente inquisitorial (COUTINHO, 2001, pp. 3-50);

d) o interrogatório do réu era realizado, efetivamente, em ritmo inquisitivo, sem a intervenção das partes, e exclusivamente como meio de prova, e não de defesa, estando o juiz autorizado a valorar, contra o acusado, o seu comportamento no aludido ato, seja em forma de silêncio (antiga redação do art. 186 e o ainda atual art. 198), já revogado implicitamente), seja pelo não comparecimento em juízo. É autorizada, então, a sua condução coercitiva (art. 260, CPP). Como veremos, a Lei n. 10.792/03, nesse ponto (o do interrogatório), produziu profundas mudanças na matéria, alterando expressamente o disposto no art. 186 do CPP, e, agora por incompatibilidade, também a previsão do art. 198 do CPP.


É preciso registrar, porém, que na década de 1970, mais precisamente nos anos 1973 e 1977, houve grandes alterações no CPP, iniciadas, aliás, com a Lei n. 5.349/67, por meio das quais foram flexibilizadas inúmeras regras restritivas do direito à liberdade. Mais recentemente, então, com as Leis 11.689, 11.690 e 11.719, todas de junho de 2008, a legislação processual penal sofreu novos e grandes ajustes, cujas alterações serão apreciadas a seu tempo e no espaço temático adequado.



Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 11a. edição, 2009, Lumen&Juris, p. 2-3

O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL*

Após a vigência das Ordenações do Reino de Portugal (do século XVI ao início do Século XIX), nossa primeira legislação codificada foi o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, em 1832, merecendo registro também algumas disposições processuais previstas na Constituição Imperial de 1824, que lhe antecedeu. A tanto não retrocederemos, porém.

A perspectiva histórica que mais nos interessa, exatamente porque até hoje ainda nos alcança, situa-se em meados do século XX, mais precisamente no ano de 1941, com a vigência do nosso, ainda atual (quanto à vigência!), Código de Processo Penal.

Inspirado na legislação penal italiana produzida na década de 1930, em pleno regime fascista, o CPP brasileiro foi elaborado em bases notoriamente autoritárias, por razões óbvias e de origem. E nem poderia ser de outro modo, a julgar pelo paradigma escolhido e justificado, por escrito e expressamente, pelo responsável pelo projeto, Ministro Francisco Campos, conforme se observa em sua Exposição de Motivos.

Na redação primitiva do CPP, até mesmo a sentença absolutória não era suficiente para se restituir a liberdade do réu, dependendo do grau de apenação da infração penal (o antigo art. 596). Do mesmo modo, dependendo da pena abstratamente cominada ao fato, uma vez recebida a denúncia, era decretada, automaticamente, a prisão preventiva do acusado, como se realmente do culpado se tratasse (o antigo art. 312).

Aliás, é o que ocorre, hoje, com a legislação dos crimes resultantes de organizações criminosas (Lei 9.034/95), dos crimes de lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98) e do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/03), a vedar a concessão de liberdade provisória.

Neste ponto, a registrar recente inovação (Lei n. 11.464/07, que, alterando o art. 2°, II, da Lei de Crimes hediondos - Lei n. 8.072/90) - passou a permitir a aplicação do art. 310, parágrafo único, do CPP (Liberdade Provisória sem fiança), limitando-se a vedar a concessão de fiança.

Logo veremos que o Supremo Tribunal Federal,parcialmente, é certo, vem cuidando de limitar determinados excessos legislativos, reconhecendo, enfim, a impossibilidade de se permitir ao legislador, a priori, ou seja, sem o exame de cada caso concreto, a restituição à liberdade daquele que foi preso em flagrante, embora venha sinalizando, também, que a previsão constitucional de inafiançabilidade para determinados delitos possa cumprir tal missão (a de vedação, em abstrato, da liberdade provisória). Nesse ponto, aludida jurisprudência procede.

O princípio fundamental que norteava o CPP era, como se percebe, o da presunção de culpabilidade. Manzini, penalista italiano que ainda goza de grande prestígio entre nós, ria-se daqueles que pregavam a presunção de inocência, apontando uma suposta inconsistência lógica no raciocínio, pois, dizia ele, como justificar a existência de uma ação penal contra quem seria presumivelmente inocente?

Evidentemente, a aludida dúvida somente pode ser explicada a partir de um pressuposto: o de que o fato da existência de uma acusação implicava juízo de antecipação de culpa, presunção de culpa, portanto, já que ninguém acusa quem é inocente.

Vindo de uma cultura de poder fascista e autoritário, como aquela do regime italiano da década de 1930, nada há a se estranhar. Mas a lamentar há muito. Sobretudo no Brasil, onde a onda policialesca do CPP produziu uma geração de juristas e de aplicadores do Direito que, ainda hoje, mostram alguma dificuldade em se desvencilhar das antigas amarras.

É claro que é - e sempre será - muito difícil compatibilizar interesses tão opostos como aqueles representados pela necessidade de aplicação da lei penal (enquanto ela existir) e o exercício da liberdade individual. Por isso é muito importante identificar as premissas teóricas da legislação de 1941, para reconhecer sua vigência, ou não, diante da ordem constitucional que lhe foi subsequente.

Não só porque uma seja, do ponto de vista normativo, hierarquicamente superior a outra, como ocorre entre a norma constitucional e a legislação ordinária, mas, sobretudo, porque com a identificação da realidade histórica em que foram produzidos os respectivos textos se poderá entender melhor as inúmeras incompatibilidades existentes entre ambos.


* Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 11a. edição, Lumen&Juris, 2009, p. 2 e v.

CONCEITO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL

"O processo penal é o instrumento do Esado para o exercício da juisdição em matéria penal. O direito processual penal, portanto, pode ser definido como o ramo do direito público que se ocupa da forma e do modo (i.e: o processo) pelos quais os órgãos estatais encarregados da administração da justiça concretizam a pretensão punitiva, por meio da persecução penal e consequente punição dos culpados. Tem como conteúdo normas que disciplinam a organização dos órgãos da jurisdição e de seus auxiliares, o desenvolvimento da atividade persecutória e a aplicação da sanção penal". Edilson Mougenot Bonfim, Curso de Direito Processual, 4a. edição, 2009, Saraiva, p. 6 e 7.

"Conforme ensinamento de Cintra, Grinover e Dinamarco, "chama-se direito processual o conjunto de normas e princípios que regem (...) o exercicio conjugado da jurisdição pelo Estado-Juiz, a ação pelo demandante e da defesa pelo demandado" (Teoria geral do processo, 9. ed., Malheiros, Ed., p. 41)

Trazendo a definição ao campo que particularmente nos interessa, podemos afirmar que: Direito Processual Penal é o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, pormeio da aplicação do Direito Penal objetivo. Fernando Capez, Curso de Processo Penal, 16a. edição, 2009, Saraiva, p. 1.


Na definição de José Frederico Marques, "é o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares" (Elementos de direito processual penal, 2. ed., Forense, v. 1, p. 20).

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL*

As normas de direito material, em geral, visam proteger determinados bens jurídicos e interesses considerados relevantes para a sociedade, estabelecendo sanções aplicáveis a quem pratique certos atos em afronta a esses bens ou interesses.

Dito de outra maneira, o Estado, por meio da atividade legislativa, elege certas condutas como passíveis de punição, por julgar que essas condutas lesam (ainda que apenas potencialmente, em alguns casos) os bens e interesses que se deseja proteger.

Portanto, o conteúdo das normas de uma e de outra espécie é diferente, e existe uma relação de instrumentalidade entre elas. O direito processual existe em função do direito material. Tem, assim, na expressão da doutrina, uma função ancilar (do latim, ancilla-ae, serva), quer dizer, dependente daquele, em que pese sua autonomia no tratamento científico e sua separação como ente juridico.

Isso não significa, contudo, conferir-lhe um papel subalterno ou inferior. Por isso, ao definir a forma como direito material deva ser aplicado, o direito processual é o instrumento. Mas o instrumento, note-se bem, que exerce influência no próprio direito material; nesse sentido, o caráter fragmentário do direito penal - ou seja, de que apenas devem ser incriminadas condutas que violem bens fundamentais de uma comunidade - se vê fortemente influenciadopelo direito processualpenal, na medida em que se evidenciou estarem os tribunais sobrecarregados em decidir causas de duvidoso relevo ético.



Edilson Mougenot Bonfim, Curso de Direito Processual Penal, 4a. edição, 2009, Saraiva, p. 4-5

NORMAS JURÍDICAS*

A doutrina classifica as normas jurídicas em duas espécies: as normas de direito material e as normas de direito formal.

As normas de direito material - são aquelas destinadas a disciplinar os atos diretamente relacionados à vida e às relações na sociedade. É norma de direito material a regra, insculpida no Código Civil, que determina que alquele que causar dano a alguém será obrigado a indenizá-lo na medida de sua culpabilidade, assim como a norma jurídica do Código Penal que estabelece uma sanção de reclusão para aquele que conscientemente matar alguém (art. 121 do CP).

As normas de direito formal (ou adjetivo, na expressão de Jeremy Bentrham), por seu turno, são aquelas que determinam o modo de aplicação da norma material (ou direito substantivo). Por isso parte da doutrina - processualistas civis, principalmente - refere-se a essas normas como normas de segundo grau: apenas mediatamente é que elas refletem na vida das pessoas.



*Edilson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4a. edição, 2009, Ed. Saraiva, p.4

ESTADO E PODER*

A noção de Estado está intimamente ligada à noção de poder. De fato, alguns estudiosos da teoria do Estado defendem que o Estado é um poder institucionalizado. Para outros,no entanto, o Estado é o titular de um poder, que deriva da sociedade, motivo pelo qual esse poder deve ser exercido para o bem da coletividade.

A Constituição brasileira, filiando-se à segunda corrente, atesta em seu art. 1°, § 1°, que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente", estabelecendo em seguida (art. 3°) os objetivos fundamentais da República.

Quer se adote uma ou outra posição, contudo, é certo que a presença do Estado enquanto entidade interfere cotidianamente na vida da sociedade, direcionando sua atuação, impondo restrições ao que os indivíduos podem ou não fazer, reprimindo os infratores que afrontam bens ou interesses da sociedade ou do próprio Estado. Ese, exercendo o poder, limita a liberdade individual, fazendo-o por meio do direito, que, nesse sentido, funciona ele próprio como instrumento regulador da atividade estatal, já que esta não se pode dar sem controle, ou seja, de forma ilimitada.

O Estado ideal, modelado por influência de idéias liberais, exerce esse poder para garantir as condições mínimas de convivência entre os indivíduos, de modo a manter a ordem e a paz, oferecendo proteção aos interesses considerados fundamentais para cada indivíduo ou categoria de indivíduos. Ao fazê-lo, legitima o uso da força, justificado na busca pelo bem comum.

O poder estatal manifesta-se em inúmeros aspectos: na produção de normas que tornam obrigatória ou proibidas certas condutas; na execução forçada das condutas que essas normas determinam; por meio da imposição de sanções aos infratores; na concessão de autorização para que particulares prestem determinados serviços considerados mais relevantes para a sociedade, etc. O que há de comum em todas essas situações é a restrição à liberdade do indivíduo, que sempre fica submetido à autoridade do Estado.



Edilson Moubenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4a. edição, 2009, Ed. Saraiva, 1 e v.